English Summary: Was Hergé – Tintin’s creator – anti-Semitic or a German collaborator? That is the question that divides - until the present day - european critics and experts on the life and work of Hergé. The answer given in this short essay was achieved by connecting 7 important historical periods with Hergé’s controversial characters (such as Blumenstein), abnormal attitudes (working in a newspaper owned by Germans) with what was happening in is sentimental life at those periods. Using the available informations the author of the essay says that Hergé was a both a anti-Semite and a collaborator and neither at the same time. Above all, that is the conclusion, Hergé was only a creator concerned in leading safely his most beloved creation through history.A Aventura de Hergé
Paulo Patrício
A figura e a obra de Hergé é de incontestável importância para a história da bd europeia e mundial. Qualquer autor terá pelo menos uma opinião sobre o estilo, as histórias e personagens que Hergé deixou como legado, seja qual for essa opinião, ela será favorável ou apaixonada. Por outro lado, são poucos aqueles que nunca leram as aventuras de Tintin, mesmo que tivesse sido um só álbum, o que prova que mais do que banda desenhada Hergé deixou uma personagem excepcional, Tintin. Sabemos que Tintin terá uns dezassete anos, popa arrebitada, calças de golfe e que apesar de ser jornalista nunca o vimos preocupado com um prazo ou sequer em escrever uma notícia, e muito menos com o sexo feminino. Ingénuo nesse aspecto, mas corajoso e verdadeiro amigo do amigo, Tintin é um paradigma: nunca existiram rapazes como ele e nunca existirão. Então, porque é que se gosta de um rapazinho assim? Ninguém sabe. Além de viajar muito de um país para outro, Tintin tem outra capacidade, a de viajar de uma geração para outra, numa dentro de livros e noutra nos bolsos das camisas ou T-shirts. Ao vermos que ao poucos o merchandising deixa para trás a leitura, será esta a altura certa para olharmos noutra direcção e perceber donde é que veio afinal Tintin? Talvez sim, ou talvez não, mas seja como for Tintin tem 70 anos e só por isso valerá a pena escrever sobre ele. Pena é que não há muito mais a saber sobre ele, o mesmo não se pode dizer do seu criador. Dele, de Hergé, sabemos que era um tipo neurótico com ataques constantes de mau génio, perfeccionista ao limite capaz de redesenhar obras inteiras, depressivo quando as dúvidas abalavam certos valores morais, colaboracionista para uns e vítima das circunstâncias para outros, tirano no trabalho mas sempre acompanhado com reverência, casado mas capaz de se apaixonar aos 53 anos por uma miúda de 21. Isto é o que sabemos, ou percebemos, através das inúmeras biografias de Hergé, porque através das raras entrevistas que deu ao longo da vida pouco ou nada sabemos realmente do homem. As questões que mais fazem agitar qualquer discussão sobre Hergé são sempre as mesmas: seria Hergé um colaboracionista? Foi um anti-semita ou um racista? Ou as duas coisas? A resposta a todas elas é muito simples, não. Hergé foi, mais do que qualquer outra coisa, um daqueles tipos que soube tirar partido de todos os períodos históricos pelos quais passou, um daqueles sujeitos que soube moldar-se ao que estava a acontecer. Os exemplos que se seguem não são exaustivos, mas sim exemplificativos.
1. Numa entrevista Hergé considera «dever tudo» a Wallez, um partidário do nacionalismo de Charles Maurras e admirador de Mussolini, e director do Vingtième Siècle, jornal católico e nacionalista, que omitia qualquer referência a actos condenados pela igreja, como o adultério, mas atacava comunistas e judeus. Não querendo defraudar as expectativas de Wallez, e porque o tema foi sugerido pela direcção do jornal, Hergé em Tintin no Congo, 1931, confere a Tintin a característica de «grande pai branco», protegendo uns negros receosos e ingénuos, mas igualmente simpáticos e merecedores de alguma compaixão paternalista. O objectivo de mostrar aos leitores as virtudes do colonialismo é atingido, porque num período onde as colónias eram ainda tidas como um valor seguro, a visão de Hergé, mesmo sendo racista, era comummente aceite culturalmente à altura e, mais uma vez, não defraudavam as expectativas de Wallez.
2. Em 1932, Wallez é despedido e o jornal Vingtième Siècle faz uma pequena inflexão no percurso, assumindo um carácter mais neutro. Embrião daquilo que levaria este jornal a ser considerado um dos grande da história da imprensa. Hergé segue essa nova orientação, daí até 1939 as aventuras de Tintin não terem nada que se possa considerar menos correcto. Há mesmo, em 1936, com O Lótus Azul, um jovem Tchang a servir de inspiração e modelo. Com a guerra os alemães passam a controlar o Le Soir , Hergé não se sente muito incomodado, tanto que em A Estrela Misteriosa, 1942, dá a sua própria contribuição para a fogueira do anti-semitismo com a acha Blumenstein, um banqueiro judeu de quem se pode esperar tudo de mau. Se até aqui as posições de Hergé em relação a uma ideologia e a uma prática em particular eram dúbias e perfeitamente discutíveis, agora deixam de o ser: faz parte de um jornal “alemão” e cria um personagem odiável que é judeu. Hergé está do lado errado e na hora errada, pelo menos para os compatriotas. É a partir deste álbum que Hergé, o grande pai do desenho europeu, é tido como um colaboracionista. Nem mais nem menos. O que não o impede de continuar a desenhar as aventuras de Tintin.
3. No período de 1942 a 1945 será pertinente perguntar, porque é que depois de Blumenstein Hergé não voltou a deitar mais achas para a fogueira do anti-semitismo? A resposta, plausível e possível, é a de que Hergé terá pago aos alemães, com a moeda Blumenstein, a continuação de Tintin. As contas estavam feitas, não havia mais nada a pagar.
4. O período do pós-guerra é difícil para Hergé, no entanto, a popularidade de Tintin ajudou-o, porque no final do julgamento o juiz considerou que “seria ridicularizado” se considerasse Hergé colaboracionista. Mesmo assim tomou algumas medidas, deixando-o publicar em álbum e proibindo-o de publicar nos jornais durante três anos. A fundação da revista Tintin, com a ajuda de Raymond Leblanc, um herói da resistência, parece indicar que o pior passou. Na recessão económica e austeridade que a Europa atravessa há falta de muitas coisas, uma delas é o papel. Esse é o motivo pelo qual as histórias passam a ter 62 páginas. Desta vez Tintin não só se adapta aos tempos que correm, mas a um novo formato.
5. Algumas depressões e oito anos depois Hergé termina Tintin no País do Ouro Negro, 1951, ano em que funda o Estúdio Hergé. Além de ser um estúdio de banda desenhada, é também o local onde são elaborados os contratos para edições no estrangeiro, merchandising, publicidade, animação e etc. É aqui que começa o processo de industrialização de Tintin, acompanhando a recuperação económica mundial e o reconhecimento sociológico de uma terceira cultura, a cultura das massas. Que é «cosmopolita por vocação e planetária por extensão», definição que também poderia ser aplicada a Tintin.
6. O casamento de Hergé com Germaine não corre nada bem, na origem está a paixão que sente por Fanny Vlamynck, uma desenhadora de 21 anos que trabalha no estúdio. Esta paixoneta, e o lado introspectivo de Tintin no Tibete, 1960, correspondem a uma crise de meia idade. Afinal, Hergé tinha 53 anos. A provar que tudo não passa de uma crise, o casamento dos dois resiste mais 17 anos até ao divórcio.
7. Hergé estava cansado e velho, surgindo As jóias de Castafiore, álbum hermético para uns e simples sintoma de senilidade para outros. Entre uma opinião e outra, apenas podemos considerar que este foi o ajuste de contas possível que Hergé pôde fazer com Hergé. Antes deste, só o já citado Tintin no Tibete. Com Voo 714 para Sidney, em 1968, assiste-se a um esforço patético de Hergé para acompanhar a época. Falhanço redondo. Com Tintin e os Pícaros, 1976, tenta-se retomar a velha fórmula. Duplo falhanço.
Depois disto, e em poucas palavras, Hergé soube atravessar tudo. Se quisermos continuar a discussão, no mínimo poderíamos chamar Hergé de oportunista, no máximo de mercenário, mas aí estávamos em pleno delírio provocador, um excesso desnecessário. O meio termo é difícil de encontrar, ou de definir numa só palavra, mas podemos concluir que para Hergé só houve uma preocupação: Tintin.
Site a visitar:
http://www.Tintin.be
Site da Fundação Hergé com versões em cinco línguas, na versão portuguesa a tradução e adaptação é de Carlos Gustavo Moura.Biografia a ler:
Hergé, Pierre Assouline, Plon
Pierre Assouline, director da revista Lire, teve acesso aos arquivos pessoais e profissionais de Hergé. Está disponível em espanhol, com o mesmo título, pela Ediciones Destino Áncora e Delfin.Endereço útil:
Fundação Hergé, Av. Louise, 162, 1050 Bruxelas
Toda a correspondência deve ser enviada ao cuidado de Sophie Tchang.